Publicado em 09 de April de 2021
A pretensão do presente artigo é a de demonstrar, com base em argumentação jurídica e lógico-matemática, os equívocos contidos na Súmula nº 646 recentemente editada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ):
É irrelevante a natureza da verba trabalhista para fins de incidência da contribuição ao FGTS, visto que apenas as verbas elencadas em lei (artigo 28, parágrafo 9º, da Lei 8.212/1991), em rol taxativo, estão excluídas da sua base de cálculo, por força do disposto no artigo 15, parágrafo 6º, da Lei 8.036/1990.
Citamos abaixo o trecho de um dos precedentes que deram origem à citada Súmula:
Pacificou-se o posicionamento de que apenas verbas expressamente delineadas em lei podem ser excluídas do alcance de incidência do FGTS. Desse modo, o FGTS recai sobre o salário-maternidade, férias gozadas, aviso-prévio indenizado, o terço constitucional de férias gozadas, os quinzes primeiros dias de auxílio-doença/acidente e sobre os adicionais horas extras, insalubridade, periculosidade, noturno, pois não há previsão legal específica acerca da sua exclusão, não podendo o intérprete ampliar as hipóteses legais de não incidência" (AgRg no REsp 1.518.699/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, segunda turma, DJe 5/2/2016).
O entendimento pacificado pelo STJ é o de que todo e qualquer pagamento que não esteja expressamente contido no art. 28, §9º da Lei nº 8.212/91 – que trata da base de cálculo das contribuições previdenciárias – deve ser considerado como base para o cálculo do FGTS.
Contudo, o art. 15 da Lei nº 8.036/90 – que instituiu o FGTS – prevê que o seu recolhimento deve ser realizado com base na remuneração do trabalhador, sem definir o conceito legal do que é a remuneração. O parágrafo 6º desse artigo dispõe que “não se incluem na remuneração, para os fins desta Lei, as parcelas elencadas no § 9º do art. 28 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.”
Porém, a interpretação apresentada pelo STJ é, a nosso ver, juridicamente inaceitável e existem argumentos jurídicos e lógico-matemáticos que demonstram o porquê.
Os pagamentos realizados pela empresa em favor de seus trabalhadores podem ser classificados, para fins jurídicos, da seguinte forma (com base na legislação trabalhista, tributária e previdenciária em vigor):
A classificação dos pagamentos é relevante, pois a legislação impõe diferentes obrigações sobre cada uma delas: os rendimentos do trabalho ensejam a retenção e o recolhimento do imposto sobre de renda da pessoa física; o salário enseja o recolhimento dos encargos trabalhistas (13º, férias, DSR, etc.) e a remuneração enseja o recolhimento das contribuições previdenciárias e do FGTS.
Aliás, já nas primeiras aulas na faculdade de Direito aprendemos que, por força do Princípio da Legalidade (art. 5º, II da Constituição Federal), “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Assim, podemos afirmar que somente nasce uma obrigação quando um ato/fato especificamente descrito na lei resta indubitavelmente caracterizado.
Exemplo: ao efetuar o pagamento de um rendimento do trabalho nasce a obrigação da empresa reter e recolher o imposto sobre a renda devido pela pessoa física. No entanto, sobre esse rendimento só incidirão as contribuições previdenciárias e o FGTS se também restar configurado o pagamento de uma remuneração. Uma obrigação está desvinculada da outra, pois os fatos que lhe dão nascimento não são idênticos.
Ocorre que, de acordo com o recente entendimento do STJ (Súmula 646), todo e qualquer pagamento realizado pela empresa aos seus empregados deveria ser considerado como parte da remuneração do trabalhador (base para o cálculo do FGTS) , exceto nas hipóteses descritas no art. 28, §9º da Lei nº 8.212/91. Consequentemente, o FGTS recairia sobre salário-maternidade, terço de férias, aviso-prévio indenizado, quinzes primeiros dias de auxílio-doença/acidente, dentre outras verbas desprovidas de natureza remuneratória.
Em primeiro lugar, o STJ desconsiderou o fato de que a legislação buscou unificar (e não diferenciar) a base para o recolhimento das contribuições previdenciárias e do FGTS (por essa razão o documento de apuração era unificado – SEFIP/GFIP), conforme se depreende da exposição de motivos da Lei nº 9.528/97 (que incluiu a maior parte das verbas descritas no art. 28, §9º da Lei nº 8.212/91):
Nesse aspecto, vale lembrar que o próprio STJ (Recurso Especial nº 1.230.957) já havia pacificado o entendimento de que o aviso-prévio indenizado, o terço de férias e os quinze primeiros dias de afastamento que antecedem o auxílio-doença não possuem natureza remuneratória e, portanto, não se sujeitam ao recolhimento das contribuições previdenciárias.
Em segundo lugar, considerando que a finalidade do FGTS é a de proteger o trabalhador cujo contrato foi rescindido sem justa causa – o que se equipara, grosso modo, à finalidade dos benefícios previdenciários (garantir a manutenção da remuneração do trabalhador em caso da ocorrência de um evento que o incapacite para o trabalho) – não há sentido algum em se adotar bases distintas para o seu custeio.
Em terceiro lugar, o Direito é uma ciência que estuda e atribui efeitos às relações do nosso cotidiano, não detendo poderes para alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos privados. Portanto, o entendimento de um órgão julgador não pode descontruir, sem uma justificativa relevante, o conceito privado do que são o rendimento, a remuneração e o salário.
Não se pode atribuir um conceito legal a determinado instituto (no caso, a remuneração) a partir de exclusões (do que não é considerado remuneração). Apenas a análise casuística e detalhada, como o próprio STJ realizou em milhares de julgamentos em matéria de custeio previdenciário, é capaz de atribuir à verba a sua verdadeira natureza jurídica.
Em quarto lugar, e por fim, o STJ acabou por incorrer em contradição, na medida em que, apesar de ter corretamente entendido que é ilegal a tentativa de se ampliar as hipóteses legais de não incidência, acabou por ampliar, ilegalmente, as hipóteses legais de incidência do FGTS. É nesse ponto, aliás, que a matemática pode nos ajudar.
Acredito que muitos dos leitores se lembrem (com prazer ou com dor) da “Teoria dos Conjuntos”, cujas funções são as de deliminar e agrupar os elementos, bem como identificar de que forma eles se relacionam:
O “Diagrama de Venn”, por sua vez, é utilizado para representar graficamente as relações (operações) entre os elementos:
Ao aplicarmos esse racional ao presente artigo (o que estaria contido no “conjunto” remuneração?), chegamos ao seguinte resultado:
O que dispõe a legislação:
Ou seja, quando se trata do recolhimento de tributos e encargos incidentes sobre os pagamentos realizados pela empresa em favor dos seus trabalhadores, o fato que dá nascimento à uma obrigação (campo de incidência) e é utilizada como base de cálculo para o seu recolhimento não é – necessária e obrigatoriamente – idêntica à outra. A avaliação se o encargo ou tributo é devido, portanto, depende de uma análise casuística.
O que entendeu o STJ:
Conclusivamente: o STJ alargou o campo de incidência e a base de cálculo da contribuição ao FGTS com base no argumento de que seria ilegal o alargamento das hipóteses em que o FGTS não pode ser exigido. Porém, ao assim decidir, acabou por incorrer em contradição e ilegalidade, já que a consequência da sua decisão é o alargamento do campo da incidência do FGTS, sem que a lei assim autorize.
Esperamos que a discussão seja levada ao Supremo Tribunal Federal (STF) e lá seja preservado o Princípio da Legalidade (art. 5º, II da Constituição Federal). Até que isso ocorra, todavia, as empresas estarão sujeitas a questionamentos e cobranças baseadas na Súmula 464 do STJ.
Fonte: Contábeis
Voltar a listagem de notíciasEntre em contato conosco para esclarecer suas dúvidas, solicitar suporte, resolver problemas ou dar sugestões. Veja todas as opções de contato disponíveis.
Rua Siqueira Campos - nº 251 - Centro
Guarulhos/SP - CEP 07110-110
(11) 2475-0493
Sitecontabil © 2024 | Todos os direitos reservados